Caso Marielle: Justiça é lenta, é cega, é burra, mas chega

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Ao proferir a sentença que condena Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, a juíza Lúcia Glioche destacou os anos de sofrimento enfrentados pelas famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes, lembrando que o veredito não encerra essa dor. (Veja a sentença completa, no final desta matéria)

A juíza enfatizou o impacto duradouro que o crime teve nos entes queridos das vítimas e frisou que, embora a justiça tenha sido feita, o sofrimento persiste.

Os assassinos foram condenados no início da noite desta quinta-feira (1).

“Talvez Justiça fosse que o hoje o dia jamais tivesse ocorrido, talvez Justiça fosse Anderson e Marielle vivos”, enfatizou a magistrada.

Ela destacou, que, ao longo do processo, os condenados mantiveram-se firmes em negar envolvimento no crime, mesmo diante de provas substanciais contra eles.

“A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega. A Justiça chega para aqueles que como os acusados acham que jamais serão atingidos pela Justiça”, frisou a juíza.

Foram 6 anos, 7 meses e 17 dias após o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, quando o 4º Tribunal do Júri do Rio finalmente condenou os responsáveis pelo crime nesta quarta-feira (30). O caso, que causou indignação nacional, continua a reverberar globalmente, mobilizando opiniões e gerando discussões sobre justiça e direitos humanos ao redor do mundo.

Veja a sentença na integra:

“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.

Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.

Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.

A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.

Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.

A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?

Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.

Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.

Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.

Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:

A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:

a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;

a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.

Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.

Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa-noite”.

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