Para MPs e Defensorias, orçamento proposto pela Prefeitura de Maceió é inconstitucional e viola direitos fundamentais

Autor: Mídia Caeté
Tempo de leitura: 9 min

MPs e Defensorias protocolaram ofício junto à Prefeitura de Maceió. | FOTO: Assessoria.

Nas eleições municipais de 2024, Maceió reelegeu João Henrique Caldas (PL) para mais 4 anos à frente da capital, mesmo com críticas severas ao acordo nebuloso com a Braskem, à falta de transparência e políticas efetivas (sobretudo em relação à mobilidade urbana) e ao elevado investimento em megaeventos, atrelado aos calotes e ao sucateamento sistemático da cultura local.

Mesmo com tais críticas, a gestão financeira de JHC continua sendo alvo de desconfiança. Desta vez, os Ministérios Públicos Estadual de Alagoas e Federal (MPAL e MPF), em conjunto com as Defensorias Públicas de Alagoas e da União (DPE e DPU), enviaram um ofício à Prefeitura e à Procuradoria-Geral do Município, recomendando ajustes na Lei Orçamentária Anual de 2025. De acordo com os órgãos, a proposta apresentada “reduz drasticamente os recursos destinados a políticas públicas de assistência social, o que compromete a proteção de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e viola direitos garantidos pela Constituição Federal”, o que torna o orçamento inconstitucional.

LEIA O TEXTO DO MPE/AL NA ÍNTEGRA

O documento assinado por promotores de Justiça e defensores públicos afirma que o projeto proposto retira verbas de áreas essenciais para a inclusão social, desrespeitando o princípio constitucional do “mínimo existencial”. Esse princípio garante que todas as pessoas tenham acesso a direitos básicos, como alimentação, moradia e saúde, especialmente as que vivem em condições de vulnerabilidade.

A diminuição dessas verbas trará prejuízos diretos aos programas que tratam da inclusão de pessoas em situação de rua, famílias de baixa renda e pessoas com deficiência, segundo as entidades.

“O Ministério Público e a Defensoria chamam atenção para os necessários ajustes orçamentários, em atenção aos preceitos constitucionais mencionados, garantindo o crescimento das despesas voltadas para as pessoas em maior situação de vulnerabilidade”, afirmaram em um trecho do ofício os promotores Alexandra Beurlen, Fernanda Moreira, Maria Aparecida Carnaúba e Gustavo Arns, e os defensores Diego Alves, Bruno Lamenha e Isaac Souto.

Para a cientista política Augusta Teixeira a atuação dos órgãos é essencial para que haja o devido reajuste do orçamento proposto e reforça que a Justiça deve agir para coibir a conduta retrógrada promovida pelo município.

“O posicionamento do MPE e do MPF, além das Defensorias, é fundamental e torna clara a necessidade da ação desses órgãos para coibir o absurdo que é esse orçamento. Vale ressaltar que tal orçamento é executado pela Prefeitura e aprovado pela Câmara de Vereadores. Ou seja, vemos os dois poderes, que são eleitos pela população, trabalhando contra a própria população. A justiça precisa arbitrar nesse retrocesso e a classe política precisa ter em mente que assistência social é uma necessidade básica quando se fala em Maceió, uma capital extremamente desigual”, afirma.

É inegável que a gestão de João Henrique Caldas tem o marketing como alicerce, que muitas vezes é priorizado em detrimento de outras frentes essenciais. Augusta Teixeira acredita que a gestão utiliza esse artifício para ganhar o eleitorado. “O marketing é o que garante a visibilidade do atual gestor, que se utiliza das redes sociais como uma ferramenta de aproximação do eleitorado. É nítido o comprometimento da prefeitura com a comunicação da gestão quando observamos os valores empenhados para a Secom [Secretaria de Comunicação de Maceió] – principalmente em 2023, visando o pleito de 2024”, disse.

A cientista política fala ainda sobre como a composição excessivamente reacionária e voltada a interesses pontuais da Câmara de Vereadores, aliada à inconstitucionalidade do orçamento para 2025, pode trazer graves consequências para a aplicação de políticas públicas

“Claramente sim [que a composição prejudica]. Já era nítido – por exemplo – o quanto a saúde serve como moeda de troca e é totalmente terceirizada para instituições apadrinhadas pelos vereadores da capital – que se utilizam disso para se perpetuar no poder. A construção de políticas públicas na esfera municipal é débil, voltada para ‘contenção de danos’ e apresenta resultados apenas na véspera do pleito”.

Ela complementa:

“Resultados inclusive questionáveis, pois a maior parte das políticas é feita para que o maceioense e os turistas (literalmente) vejam, como embelezamento da orla ou os tais ‘pontos instagramaveis’. Já aquilo que só pode ser mensurado através de dados, como saúde, educação, renda, segue em segundo plano”.

 

Orçamento proposto pela gestão JHC coloca em risco políticas públicas, afirmam entidades. | FOTO: reprodução site JHC.

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E COMBATE À FOME EM RISCO

Um dos aspectos que trazem mais apreensão às instituições é a redução das verbas destinadas à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Primeira Infância e Segurança Alimentar, que representa apenas 2% do orçamento total de Maceió. Mesmo a pasta tendo recebido uma suplementação – em outubro de 2024 – a quantia ainda é considerada insuficiente. Em comparação ao ano anterior, a redução de recursos para várias ações é preocupante, uma vez que inclui o corte de R$ 4,5 milhões para R$ 3,9 milhões destinados ao restaurante popular, o que compromete diretamente o combate à fome. 

Os MPs e as Defensorias chamam atenção ainda à drástica queda no Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, que perderá 74% do seu orçamento, passando de R$ 808 mil para R$ 210 mil. Esse fundo é fundamental para o fortalecimento da rede de atendimento às crianças e adolescentes da capital.

Ao fazerem comparações sobre os valores retirados de várias ações, os órgãos alegam que a Prefeitura não pode ferir o “princípio da vedação do retrocesso”, ou seja, não pode retroceder naquilo que já não era suficiente.

POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E PCDs FORA DE PRIORIDADE

A população em situação de rua também sofrerá os efeitos dos cortes. O orçamento para serviços de acolhimento institucional diminuirá de R$ 3 milhões para R$ 2,5 milhões. Esse é o tipo de atuação que atrai essas pessoas na tentativa de retirá-las das ruas e reinseri-las na sociedade. O serviço especializado em abordagem social, que atua garantindo que políticas públicas possibilitem a saída dessas pessoas das ruas, será afetado em 20%, sendo reduzido de R$ 420 mil para R$ 336 mil.

Outro tópico mencionado é o serviço de proteção especial para pessoas com deficiência, que sofrerá uma diminuição de 68,38%, passando de R$ 586 mil para R$ 185 mil, um prejuízo elevado no atendimento ao grupo. O serviço de proteção e atenção integral à família também sofrerá com os cortes: uma redução de 20%, caindo de R$ 2,3 milhões para R$ 1,8 milhão. Sobre a importância de construção de novos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), MPs e Defensorias argumentaram que a necessidade da cidade de Maceió é de 40 unidades. No entanto, o município tem apenas 17. Para a ampliação desse serviço, foram destinados somente R$ 200 mil, valor insuficiente para o quantitativo desejado.

Após pontuarem todos os problemas existentes no atual projeto de lei, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas encerram o ofício afirmando que o PL é “inconstitucional e violador dos direitos humanos fundamentais”.

O QUE DIZ A PREFEITURA DE MACEIÓ?

A Mídia Caeté procurou a Prefeitura de Maceió, por meio de sua assessoria de imprensa, que não respondeu até a publicação desta reportagem.

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